domingo, 12 de junho de 2011

Centro Esportivo no Dona Marta leva diversão e disciplina para a favela. Por, Camila Osman.

Foi realizada nos dias 13 e 14 de novembro a segunda edição do Viradão Esportivo. O evento, promovido pela Cufa (Central Única das Favelas) com colaboração da Globo Rio, organizou 33 horas de atividades esportivas gratuitas espalhadas pelo estado. A favela Santa Marta se inscreveu no Viradão, mas, como acontece frequentemente com o setor esportivo da comunidade, a Prefeitura do Rio não ofereceu apoio.

Mesmo assim, os organizadores da parte de esportes na favela decidiram promover o Viradão Esportivo na comunidade. O evento foi marcado para às 10h de domingo na quadra do morro. No entanto, o espaço foi requisitado pela escola de samba Mocidade Unida do Santa Marta, e o Viradão foi transferido para o local onde acontecem diariamente as aulas do Centro Esportivo. “Surgiu um problema de última hora. Como tínhamos prometido o evento para a molecada, resolvemos fazer um aulão aqui no espaço do projeto mesmo”, explicou um dos professores.

O Viradão reuniu ao todo quatro professores e 25 alunos, que participaram de aulas de jiu-jitsu, karatê e muay thai. Alguns pais e crianças também compareceram para assistir às atividades. A última aula foi encerrada por volta de 12h30, quando o espaço foi liberado para atividades recreativas, que se estenderam até às 15h, e um lanche foi oferecido para as crianças.

Assim como este evento, a prática de esportes no Santa Marta é organizada pelo Centro Esportivo CTM, um projeto coordenado por Ricardo Pires de Souza e policiais da UPP que ocupa o local. O Centro Esportivo foi criado por Ricardo quando a UPP foi instalada na favela, em 2008. O espaço conseguido pelo projeto era antigamente ocupado pelo tráfico. Agora, é uma academia de luta que funciona todos os dias da semana. São oferecidas aulas gratuitas de jiu-jitsu, karatê, boxe, submission e muay thai para moradores de todas as idades. Ao todo, participam do projeto nove professores,

sendo apenas três remunerados, e 85 alunos, distribuídos entre aulas realizadas no período da manhã, tarde e noite.

A prefeitura e o governo só apóiam o Centro Esportivo até o jovem completar 18 anos, o que é considerado um absurdo por Ricardo. “O aluno treina a adolescência toda, chega aos 18 anos e, de uma hora para outra, vou excluí-lo do projeto?”, ele se queixa. Para contornar essa frustração e a interrupção do projeto, foram abertas aulas para os adultos, o que permite dar continuidade ao trabalho feito com crianças e jovens. As aulas acontecem à noite, de 22h às 23h30.

Este é apenas um dos problemas apontados por Ricardo, 29 anos, morador da comunidade, coordenador e fundador do Centro Esportivo. Conhecido por todos os alunos e moradores como “Pescada”, Ricardo é professor de muay thai e boxe, dá aulas no projeto e em uma academia particular próxima à favela.

Ele conta que, no começo, ninguém acreditava no sucesso da sua iniciativa. Aos poucos foi comovendo as pessoas e o Centro Esportivo foi ganhando consistência. Ricardo defende que a melhor forma de criar projetos é a partir da própria comunidade: “Ideias de fora raramente dão certo aqui, porque eles não procuram saber o que realmente queremos, o que a favela precisa. Os projetos que têm êxito geralmente surgem por iniciativas de dentro de favela.”

Contudo, o problema mais sério apontado pelo professor é a questão financeira. “Patrocínio em si, não temos”, diz Ricardo, explicando que quem contribui são amigos e outras pessoas dispostas a ajudar. “Em todo lugar que eu vou, falo do projeto. Algumas pessoas oferecem ajuda e colaboram com o que podem. Mas também tirei muito dinheiro do bolso.” Ele conta que a prefeitura e o governo ajudam, mas muito pouco e de forma esporádica. “A gente briga sozinho”, queixa-se o professor. “Eles sempre querem algo em troca, ou algum tipo de lucro. Nossos projetos só servem quando não dão trabalho para eles, ou quando tem mídia. Assim é fácil.”

Para realizar uma copa de jiu-jitsu, Ricardo conseguiu um pequeno patrocínio do Bradesco Seguros, que financiou um lanche e os troféus e medalhas. O campeonato foi disputado em outubro e contou com a presença de outras comunidades, reunindo 250 atletas. O professor explica que este tipo de evento é importante para mostrar à comunidade os seus esportistas, aumentando os laços e o interesse. No entanto, a

organização da copa precisou de muitos gastos, o que dificulta a realização de uma segunda edição. “É horrível ouvir os alunos perguntando ‘E aí Pescada, vai ter outro campeonato?’, e ter que responder ‘Não sei’. Dei tudo de mim nesta copa, será muito difícil realizar outra com a mesma magnitude.”

Para participar de outros campeonatos, a dificuldade é a mesma. As inscrições para as competições estaduais custam R$ 70 por atleta, e o dinheiro tem que sair do próprio projeto. Rodrigo Santos, professor de jiu-jitsu da favela e de academia particular, faz coro às reclamações de Ricardo: “Com este preço, não temos condições de levar todos os alunos para as competições. Mas como vamos privilegiar três ou quatro e falar para os outros que eles não poderão participar?” Para Rodrigo, a competição é o que estimula a prática do esporte, pois é fundamental para manter um objetivo e conseguir entrar no mercado de trabalho. Ele conta que seus alunos da academia particular já ganharam muitas medalhas e garante que atletas da comunidade também ganhariam, se tivessem apoio: “Dou o mesmo treino para os alunos daqui e da academia particular. O potencial é igual, a diferença é que lá tem patrocínio”.

Um exemplo que ilustra suas denúncias é Alessandra, uma jovem de 16 anos que já ganhou muitos campeonatos na comunidade. Os professores do projeto tentaram conseguir uma Bolsa Atleta para ela, mas não tiveram sucesso. “A sensação que eu tenho é que para conseguir alguma coisa, você tem que ser alguém. Se você não for alguém, não consegue nada”, reclama Ricardo.

Bruna, 17 anos, freqüenta as aulas de karatê e também denuncia a falta de patrocínio. Ela conta que a dificuldade em conseguir equipamento é grande, pois a SUDERJ fornece muito pouco, e o próprio projeto é quem acaba comprando a maior parte. “Antigamente não tinha nem tatame, a gente lutava no chão. A SUDERJ sempre dizia que ia dar, mas não dava. Depois de batalhar muito, conseguimos”, lembra a jovem.

Apesar dos problemas com a falta de apoio e patrocínio, o Centro Esportivo exerce um papel importante na comunidade e colabora para o dia a dia na favela de muitas formas. Uma delas é explicitada pelo soldado Faria, policial da UPP e professor de karatê do projeto. Ele conta que, além de implementar o esporte para as crianças, o Centro Esportivo serve como integração da polícia com os moradores da comunidade. “No começo, havia muita resistência da favela com a ocupação policial. Com o projeto,

os pais começaram a ir até a polícia para inscrever os filhos, assisti-los nas aulas, tirar fotos”, esclarece o soldado.

Mas, segundo ele, não foram apenas os adultos que acabaram com a resistência: “Muitas crianças que antes tinham medo de entrar na UPP ou de falar com policiais, hoje nos cumprimentam, dizem que querem ser militares ou policiais quando crescerem”. Além disso, Faria afirma que a as crianças aprenderam a ter mais disciplina e respeito, pois esse é o objetivo principal da iniciativa: formar cidadãos.

Ricardo, o coordenador do projeto, concorda com a função social do Centro Esportivo. Para ele, o esporte ensina a trabalhar em equipe, a ter disciplina e postura. “O esporte ensina uma filosofia”, afirma. “Queremos que o projeto seja uma oportunidade de aprender e se desenvolver no esporte, de abrir portas, permitindo que os alunos cresçam na vida.”

Entretanto, quando o assunto é a participação dos pais, o professor tem uma opinião diferente do soldado Faria. Ricardo explica que, quando um aluno se inscreve para as aulas, tem um custo com equipamentos, mas muitos pais não podem pagar. O projeto, então, fornece o material. Mas se a criança para de freqüentar as aulas, eles pegam o material de volta, para ser aproveitado por outros alunos. “O projeto dá o pontapé inicial, mas cabe aos pais dar continuidade. Acontece que muitos não se importam. Não sabem nem que o filho tem vindo aqui ter aula e, quando descobrem, continuam sem participar”, lamenta o professor, que considera o apoio muito pequeno.

Mesmo com todos os problemas, o Centro Esportivo da favela Santa Marta conta com a presença de muitos alunos, que veem no projeto uma oportunidade de se divertir e aprender ao mesmo tempo. Apesar das dificuldades, Ricardo continua procurando melhorias para o espaço: “Pensamos alto, queremos construir um segundo andar, melhorar a estrutura”. Além disso, tenta conseguir um projetor, para passar filmes nos finais de semana para os alunos. O objetivo é aproveitar o espaço e levar um pouco mais de diversão e cultura para as crianças e jovens da favela, complementando o papel do Centro Esportivo.

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